domingo, 27 de janeiro de 2008

TEXTO: diferenças entre as atividades artísticas tradicionais e as contemporâneas mediadas pela tecnologia de imagem

(texto apresentado por mim na prova prática do processo de seleção para professores substitutos na UFMS (junho de 2006)



DIFERENÇAS ENTRE AS ATIVIDADES ARTÍSTICAS TRADICIONAIS E AS CONTEMPORÂNEAS MEDIADAS PELA TECNOLOGIA DE IMAGEM

Profª Desirèe Melo

1. ASPECTOS HISTÓRICOS

De acordo com o autor Ferreira Gullar (1993:13), no final do século XIX surgiram mudanças amplas e revolucionárias em todo contexto no qual a sociedade estava inserida. Com o desenvolvimento do sistema econômico capitalista, da Revolução Industrial e o surgimento de uma cultura urbana e de uma sociedade de consumo geraram nos intelectuais, de um lado, a convecção de que tudo o que pertencia ao passado estava morto e, do outro, o entusiasmo pela vida que nascia, na qual, com a ajuda da ciência e da técnica, o homem mudaria e governaria o seu destino. Caberia então a arte colaborar nessa mudança e, ela mesma mudar, livrando-se da tradição e expressando as transformações da nova idade, promovendo uma grande ruptura.

Alberto Tassinari (2001:19-29) afirma que este processo de ruptura teve início com o período de formação da arte moderna, a partir de seu objetivo inicial de destruir a espacialidade e tradição naturalista de matriz renascentista, alterando sua estrutura de gêneros e de linguagens, levando a crise dos suportes tradicionais até o seu ponto mais radical.

Passa-se a construir uma obra de arte que valoriza a percepção rápida e efêmera e fugaz, através de manchas de cores em detrimento da perspectiva e dos volumes definidos (impressionismo); que cultiva o gosto pela assimetria, pela estilização e pela geometrização das formas naturais (art noveau); que manifesta-se através de cores uniformes e fortes (fauvismo); que influencia-se pelos movimentos, ruídos, potência e velocidade das novas tecnologias mecânicas e elétricas (futurismo); que insere recortes como texturas e, posteriormente, outros materiais (papier collé cubista); que provoca questionamentos, ao apresentar em museus objetos seriados do cotidiano como sendo obras artísticas (readymades de Duchamp); que procura livres associações de formas, de caráter poético e onírico ao subverter a razão convencional, apelando à imprevisibilidade e à produtibilidade do inconsciente (surrealismo); que realiza um processo progressivo de abstração pictórica (abstracionismo); que propõe trabalhos que exigem a participação do espectador (poéticas participacionistas); que rompe as fronteiras entre arte e não-arte, arte e cultura massificada (pop art); ultrapassando os limites da moldura, descendo dos pedestais, tornando-se intencionalmente aberta, autônoma, auto-reflexiva, heterogênea, híbrida e interativa.

Lúcia Santaella (2005:05-06 e 2003:152) constata que grande influente destas mudanças foi o surgimento dos inventos da era industrial, as artes visuais, antes classificadas como belas-artes (belas implicando não só na beleza da forma visível, mas a superioridade, perfeição e ausência de finalidades utilitárias, apoiadas e apreciadas exclusivamente pelos indivíduos e grupos mais ricos e poderosos de suas respectivas sociedades), começam a se relacionar com o fenômeno da reprodutibilidade técnica.

Artistas iniciam uma apropriação intensiva de recursos tecnológicos disponíveis, concretizando mudanças nas produções das artes na utilização e adequação a novas técnicas de reprodução e/ou até mesmo mudanças decorrentes da reflexão dos conceitos associados a essas técnicas.

Com o aparecimento da máquina de reprodução de imagens - a câmera fotográfica - têm-se o fim da exclusividade do artesanato nas artes e o nascimento das artes tecnológicas.

2. NOVOS RECURSOS DE CRIAÇÃO: NOVAS PRODUÇÕES

Sabe-se que, com a rápida expansão e desenvolvimento da revolução tecnológica é possível observar suas influências em todos os campos da atividade humana. Hoje, tudo passa pelas tecnologias: a indústria, a ciência, a educação, entre tantos outros campos da atividade humana (Domingues, Diana.1997:17). Na arte, os reflexos dessa revolução surgem através de novas produções artísticas com característica dominante o uso de máquinas, tais como câmeras, projetores, impressoras, satélites, entre outras capazes de reproduzir, gravar, editar, replicar, manipular, disseminar imagens e informações de uma forma economicamente barata, de fácil acesso, seriados e de distribuição rápida.

Surgem as mudanças decorrentes do abandono de técnicas tradicionais como pintura, o desenho, a escultura, o afastamento de idéias de arte como mercadoria e reavaliação de conceitos artísticos, surgindo novas formas de produção de arte, com novos aspectos estéticos e conceituais, como por exemplo a fotografia (analógica ou digital), o vídeo-arte, o vídeo-instalação, a instalação multimídia e outras linguagens híbridas.

Podemos apresentar 4 modificações que ocorreram nas artes contemporâneas diferenciando-se e distanciando-se das artes tradicionais:

2.1 DESMISTIFICAÇÃO DA OBRA

De acordo com Walter Benjamin (1993:172-174) a obra de arte que utiliza recursos tecnológicos deixa de possuir uma existência única para ser substituída pela existência serial, perdendo o seu valor de "culto" para o valor de "exposição", cuja preocupação é de se tornar cada vez mais próxima, rompendo distância, livrando-se do caráter de ritual, mágico, religioso, inacessível e privilégio da linguagem tradicional, originando um campo de produção e criação.

2.2 EXPANSÃO DO CAMPO DAS ARTES PARA OUTRAS ÁREAS

Ao fazerem o uso dessas novas tecnologias, em busca de experimentalismo nas artes, os artistas expandiram o campo das artes para outras áreas como: engenharia, computação gráfica, publicidade, televisão, vídeo, cinema, teatro.

2.3 ABERTURA DA OBRA DE ARTE

Com os recursos tecnológicos, surgem as obras portadoras de mensagens deliberadamente ambigüas, através da hibridização de imagens inseridas em uma miscelânea de elementos compositivos, de misturas de estilos. Em outros casos, como por exemplo na utilização de interfaces tecnológicas, como nas instalações multimídias interativas, o espectador não está mais diante de uma "janela renascentista", limitado pelas bordas da moldura, com pontos de vista fixos, mas livre a participar da obra, fisicamente, fazendo da obra um habitat para seu corpo.

2.4 FERRAMENTAS DIGITAIS

Com o surgimento do computador pessoal, novas produções artísticas foram desenvolvidas, e um dos recursos disponíveis é a utilização de ferramentas semelhantes às tradicionais. Na tela do computador há pequenos pincéis e lápis, paletas de tintas com milhões de opções, compassos, réguas e muitos outros objetos familiares, caneta especial que desliza sobre uma mesa magnética e se assemelha a uma caneta comum - alguns modelos até escrevem de verdade, comandos rápidos que podem ser executadas operações como preencher uma área com tinta, mudar as cores, deformar, clonar, borrar, girar, inverter ou acionar efeitos variados, além de scanners e digitalizadores de vídeo.

2.5 IMATERIALIDADE

Na utilização de ferramentas digitais se está pintando não com telas e tintas, mas com bits, enquanto a imagem está sendo criada ela existe apenas virtualmente, na memória volátil do computador. Apenas quando as operações são salvas em um disco magnético elas adquirem uma certa materialidade. Mesmo assim, se olharmos nas entranhas de um bit encontraremos apenas alguns elétrons em trilhas magnéticas. Não há pigmentos ou tecido, apenas uma sequência de zeros e uns. A imagem é na verdade um arquivo, um conjunto de dados digitais que, lido por um software, adquire a forma de pixels coloridos na tela. (VERLE, 1996:96)

2.6 PROCESSO DE PRODUÇÃO NÃO-LINEAR

Na utilização de recursos digitais pode-se gravar (e assim congelar) qualquer estágio de uma sequência de manipulações, e então testar várias possibilidades a partir das quais chegará à obra final – ou obras finais. A criação deixa de ser um processo linear e passa a oferecer múltiplas ramificações durante a construção de uma obra. Mesmo depois de considerada acabada pelo artista, ela nunca está acabada realmente, pois tudo é potencialmente um começo para novas obras. (idid.)

2.8 RAPIDEZ

O computador pode realizar, em segundos, operações feitas tradicionalmente com as imagens, desde procedimentos simples como a acentuação do contraste (alto-contraste) até outros complicados como a harmonização dos tons de cinza (sistema de zonas), para citar alguns exemplos encontrados na fotografia.

3. REFERÊNCIAS

CAUDURO, Flávio Vinicius. Design Gráfico e Pós-Modernidade. In: revista FAMECOS, Porto Alegre, nº 13, dezembro 2000.


­­______________________. Design e Transgressão. In: revista FAMECOS, Porto Alegre, nº 16, dezembro 2001.


______________________. Desconstrução e Tipografia Digital. In: revista Arcos: cultura material e visualidade. vol.1, nº único, RJ: ESDI, 1998. p. 23-31.

______________________. Tipografia Digital Pós-Moderna. Trabalho apresentado no Núcleo de Pesquisa Semiótica da Comunicação, XXV Congresso Anual em Ciência da Comunicação, Salvador/BS, 04 e 05 de setembro de 2002.

FARIAS, Priscila. Tipografia Digital - o Impacto das Novas Tecnologias. Rio de Janeiro: Ed. 2AB, 2001.


GRUSZYSNKI, Ana Cláudia. O Design Pós-Moderno e as Vanguardas. Trabalho apresentado no INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos da Comunicação – XXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação - Campo Grande-MS


______________________. Design gráfico, Tecnologia e Mediação. Trabalho apresentado no INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos da Comunicação. Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação

GULLAR, Ferreira. Argumentação Contra a Morte da Arte. Rio de Janeiro: Revan, 1993.


JACQUES, João Pedro. Tipografia Pós-Moderna. Rio de Janeiro: Ed. 2AB, 2002.

HOLLIS, Richard. Design Gráfico uma História Concisa. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2000.


MELO, Desirèe Paschoal de. "Obra-Aberta" - Uma Instalação. Relatório apresentado à banca examinadora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul para obtenção do grau de Bacharel em Artes Visuais. Campo Grande-MS, UFMS, 2003.


SANTAELLA, Lúcia. Por que as Comunicações e as Artes estão Convergindo? São Paulo: Ed. Paulus, 2005.


VERLE, Lenara. Branca de Neve e os Sete Pixels: um estudo sobre imagem digital. in revista FAMECOS, Porto Alegre, nº 5 , novembro 1996.

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